“A tragédia do homem, cadáver adiado, como lhe chamou Fernando Pessoa, não necessita dum remate extemporâneo no palco. É tensa bastante para dispensar um fim artificial, gizado por magarefes, megalómanos, potentados, racismos e ortodoxias. Por isso, humanos que somos, exijamos de forma inequívoca que seja dado a todos os povos um código de humanidade. Um código que garanta a cada cidadão o direito de morrer a sua própria morte.”
Miguel Torga
Será necessário condenar um ditador à morte?
Isto só serve para desestabilizar o Iraque. E, naturalmente, depois de ser enforcado, Saddam Hussein, tornar-se-á um símbolo de resistência. Será que George W. Bush e o Governo iraquiano não percebem que uma pena de prisão prolongada (sem ser prisão perpetua) seria muito melhor para o futuro do Iraque? Se tivesse de cumprir uma pena numa prisão iraquiana, daqui a dez anos, Hussein faria parte do “caixote do lixo” da história. Com o seu enforcamento, pelo menos para os sunitas, será um mártir a ser vingado.
O enforcamento de Saddam Hussein ajudará a separar as águas entre os colaboracionistas e os resistentes. Aqueles que são abertamente contra a interferência dos Estados Unidos no Iraque, nunca irão perdoar aos que aceitaram todas as ordens de Bush e dos seus falcões. A ferida na sociedade iraquiana será tão profunda, que dificilmente irá estancar nos próximos anos. Os sunitas irão querer vingar-se da morte do seu líder natural e a paz será uma utopia no Iraque.
Afirmar que o enforcamento de Hussein é um erro político, felizmente, já não implica que sejamos acusados de sermos uns perigosos esquerdistas. Infelizmente muitos soldados norte-americanos tiveram de perder a vida, para algumas pessoas começarem a perceber isto. Aníbal Cavaco Silva e Tony Blair nunca poderão ser acusados de ser uns revolucionários de esquerda, mas também eles condenam a sentença decretada. A União Europeia, naturalmente, também discorda desta decisão do tribunal que julgou o antigo ditador iraquiano.
O fim da pena de morte é um dos factores estruturantes da nossa civilização Ocidental. Acabar com ela seria o fim de um dos valores europeus supremos: a importância de cada individuo. Com esta condenação estamos a contribuir para a verdadeira vitória de Osama bin Laden e daqueles que querem destruir o Ocidente e os seus ideais.
Há duas razões principais para a não existência da pena de morte. A primeira prende-se com a possibilidade de erro dos tribunais. Se houver um engano, podemos devolver a liberdade a um preso, mas até hoje nenhum médico conseguiu ressuscitar um morto!
O segundo, mais importante e estrutural, está no valor primordial da vida humana. Curiosamente, aqueles que falam dos direitos do feto, no caso da despenalização do aborto, são os primeiros a defender a pena de morte.
A filosofia por trás do fim da pena de morte – Portugal foi um dos primeiros países europeus a aboli-la, um facto do qual nos devemos orgulhar – está nessa defesa intransigente da vida humana. Só a natureza, o próprio (suicídio ou eutanásia) ou Deus (para os crentes) podem verdadeiramente terminar com aquilo que é o nosso bem mais precioso: a vida. Defender isso, implica manter vivos os piores criminosos, como é o caso de Saddam Hussein, mas tal é necessário para que não comecem as excepções.
Quem defende a pena de morte, afirma que a vitima tem o direito de vingar a sua dor. Quem assim pensa, não percebe que o Direito actual assenta numa perspectiva completamente oposta. Actualmente, a prisão não é vista com um castigo, sendo antes, uma forma de levar o criminoso a reflectir nas suas actividades. O Direito quer a regeneração do criminoso e não a sua humilhação ou degradação.
O pior para uma vítima é que, mesmo a execução mais vil, não lhe apaga as sequelas, nem lhe devolve os entes queridos que possa ter perdido. Nenhuma morte traz de volta aquilo que perdemos!
Eu, pessoalmente, sou favorável a que um incendiário trabalhe numa unidade de queimados de um hospital. Assim poderá constatar o mal que pode causar ao lançar o fogo a uma floresta. Mas quando oiço pessoas a afirmar que eles deviam ser colocados no meio do fogo, pergunto-me se serão verdadeiramente pessoas que assim falam ou animais?
Por outro lado, em regimes não democráticos a pena de morte é utilizada para silenciar, de modo cobarde, os opositores políticos. Abolir a pena de morte seria uma das armas mais eficazes para acabar de vez com as ditaduras. Talvez, depois, já não fosse preciso invadir estados soberanos em nome da liberdade…
É por tudo isto que eu quero acordar amanhã com a notícia da derrota categorica de George W. Bush e das suas políticas reaccionárias, despropositadas, infelizes e, acima de tudo, erradas.
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