Tuesday, November 07, 2006

Saddam Hussein

“A tragédia do homem, cadáver adiado, como lhe chamou Fernando Pessoa, não necessita dum remate extemporâneo no palco. É tensa bastante para dispensar um fim artificial, gizado por magarefes, megalómanos, potentados, racismos e ortodoxias. Por isso, humanos que somos, exijamos de forma inequívoca que seja dado a todos os povos um código de humanidade. Um código que garanta a cada cidadão o direito de morrer a sua própria morte.

Miguel Torga

Será necessário condenar um ditador à morte?

Isto só serve para desestabilizar o Iraque. E, naturalmente, depois de ser enforcado, Saddam Hussein, tornar-se-á um símbolo de resistência. Será que George W. Bush e o Governo iraquiano não percebem que uma pena de prisão prolongada (sem ser prisão perpetua) seria muito melhor para o futuro do Iraque? Se tivesse de cumprir uma pena numa prisão iraquiana, daqui a dez anos, Hussein faria parte do “caixote do lixo” da história. Com o seu enforcamento, pelo menos para os sunitas, será um mártir a ser vingado.

O enforcamento de Saddam Hussein ajudará a separar as águas entre os colaboracionistas e os resistentes. Aqueles que são abertamente contra a interferência dos Estados Unidos no Iraque, nunca irão perdoar aos que aceitaram todas as ordens de Bush e dos seus falcões. A ferida na sociedade iraquiana será tão profunda, que dificilmente irá estancar nos próximos anos. Os sunitas irão querer vingar-se da morte do seu líder natural e a paz será uma utopia no Iraque.

Afirmar que o enforcamento de Hussein é um erro político, felizmente, já não implica que sejamos acusados de sermos uns perigosos esquerdistas. Infelizmente muitos soldados norte-americanos tiveram de perder a vida, para algumas pessoas começarem a perceber isto. Aníbal Cavaco Silva e Tony Blair nunca poderão ser acusados de ser uns revolucionários de esquerda, mas também eles condenam a sentença decretada. A União Europeia, naturalmente, também discorda desta decisão do tribunal que julgou o antigo ditador iraquiano.

O fim da pena de morte é um dos factores estruturantes da nossa civilização Ocidental. Acabar com ela seria o fim de um dos valores europeus supremos: a importância de cada individuo. Com esta condenação estamos a contribuir para a verdadeira vitória de Osama bin Laden e daqueles que querem destruir o Ocidente e os seus ideais.

Há duas razões principais para a não existência da pena de morte. A primeira prende-se com a possibilidade de erro dos tribunais. Se houver um engano, podemos devolver a liberdade a um preso, mas até hoje nenhum médico conseguiu ressuscitar um morto!

O segundo, mais importante e estrutural, está no valor primordial da vida humana. Curiosamente, aqueles que falam dos direitos do feto, no caso da despenalização do aborto, são os primeiros a defender a pena de morte.

A filosofia por trás do fim da pena de morte – Portugal foi um dos primeiros países europeus a aboli-la, um facto do qual nos devemos orgulhar – está nessa defesa intransigente da vida humana. Só a natureza, o próprio (suicídio ou eutanásia) ou Deus (para os crentes) podem verdadeiramente terminar com aquilo que é o nosso bem mais precioso: a vida. Defender isso, implica manter vivos os piores criminosos, como é o caso de Saddam Hussein, mas tal é necessário para que não comecem as excepções.

Quem defende a pena de morte, afirma que a vitima tem o direito de vingar a sua dor. Quem assim pensa, não percebe que o Direito actual assenta numa perspectiva completamente oposta. Actualmente, a prisão não é vista com um castigo, sendo antes, uma forma de levar o criminoso a reflectir nas suas actividades. O Direito quer a regeneração do criminoso e não a sua humilhação ou degradação.

O pior para uma vítima é que, mesmo a execução mais vil, não lhe apaga as sequelas, nem lhe devolve os entes queridos que possa ter perdido. Nenhuma morte traz de volta aquilo que perdemos!

Eu, pessoalmente, sou favorável a que um incendiário trabalhe numa unidade de queimados de um hospital. Assim poderá constatar o mal que pode causar ao lançar o fogo a uma floresta. Mas quando oiço pessoas a afirmar que eles deviam ser colocados no meio do fogo, pergunto-me se serão verdadeiramente pessoas que assim falam ou animais?

Por outro lado, em regimes não democráticos a pena de morte é utilizada para silenciar, de modo cobarde, os opositores políticos. Abolir a pena de morte seria uma das armas mais eficazes para acabar de vez com as ditaduras. Talvez, depois, já não fosse preciso invadir estados soberanos em nome da liberdade…

É por tudo isto que eu quero acordar amanhã com a notícia da derrota categorica de George W. Bush e das suas políticas reaccionárias, despropositadas, infelizes e, acima de tudo, erradas.

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3 Comments:

Blogger V.C. said...

Muito bem! Aplaudo este comentário! Só um pequeno aparte, nem todos que são contra a despenalização do aborto são a favor da pena de morte.
Pessoalmente, estou indeciso. A minha convicção de que a vida é o maior bem que existe, não cabendo a ninguém julgar a hora da morte de outrém, leva-me a ficar num dilema pessoal: primeiro estejamos a falar de um embrião ou de um simples óvulo fecundado, quem acredita metafisicamente na vida, como eu, acredita que ali já existe vida; por outro lado, em circunstâncias extremas, e nos primeiros estágios de desenvolvimento, será errado proteger a vida de uma mãe? Começo a ficar inclinado para a despenalização, pois a decisão, tal como no caso da pena de morte não se encontra nas mãos de outros para ser tomada. No aborto, a decisão de uma mãe levar em frente a gravidez e eventualmente dar a sua vida pela do filho, depende dela mesma, um acto de amor chamemos-lhe assim; o meu único receio é de a sociedade actual comete muitos erros, a consciência pessoal das pessoas, principalmente em jovens (sem maturidade) não pesa as consequências dos actos...
Poderão sempre perguntar, à lógica deste argumento, o embrião tem decisão? Não são outros a decidir por ele? Enfim, como vêem, para mim um grande dilema...
Mas falando da pena de morte em particular, somos todos adultos com voz e consciência, por isso sabemos bem o que fazemos. Matar outro porque ele matou? Ao fazer-lhe isso estaría eu próprio a transformar-me em »algo» igual a ele, e isso nunca... Não me falem de justiça, pois como foi dito e muito bem no post, NADA traz de volta o que se perdeu...
Muito bom post! Parabéns para ti!

15:48  
Blogger brunobd said...

Thanks! :)

É isso mesmo, ao querermos a vingança estamos a descer ao nível do assassino.

Quanto à despenalização do aborto, para mim, a mulher tem sempre a prioridade. E, como tu dizes, ela pode avançar com a gravidez se quiser.

Abraço

22:33  
Blogger Unknown said...

brunobd,

Concordo contigo... E gosto da maneira como argumentas!

Não me esquece há uns tempos, na amarela, uma discussão sobre a pena de morte com o Ed... Acho que a discussão continuou na praça, porque havia pessoas muito argumentativas e teimosas a concordar (com a dita pena!)

Bem, mas às vezes os ditadores são tão maus... Que poderiam cair da cadeira ou de outro local qualquer... ;)

bjs

19:00  

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