Wednesday, February 08, 2006

Da Última Ceia a Maomé

Não concordo com a posição do Ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE) de Portugal, Diogo Freitas do Amaral. É o politicamente correcto em todo o seu esplendor. Se a liberdade de expressão só pode ser utilizada para elogiar, ou como decoração, de pouco vale.

Diz-se que os cartoons são apenas uma desculpa para os fundamentalistas aumentarem o seu séquito de fanáticos. Na minha opinião é muito mais do que isso. A cólera contra os cartoons mostra aquilo que divide profundamente os muçulmanos mais ortodoxos e a sociedade europeia. Para um extremista, o que esta tem de mais odioso é precisamente essa liberdade. A possibilidade das suas crenças serem postas em causa é simplesmente inaceitável para eles.

O regime salazarista também não permitia que os filmes de Luís Buñuel (entre outros) estreassem nas salas de cinema, porque estes iam atentavam contra os dogmas professados pela religião católica. Mais recentemente poderia citar o episódio censório de Sousa Lara em relação a José Saramago, ou do famoso cartoon de António, publicado no Expresso.

Eu admito que um católico possa ficar profundamente chocado com esse cartoon, o livro de Saramago e os filmes de Buñuel. Mas, por muito que isto lhe custe, ele não pode impedir, que outros possam apreciar, aquilo que ele tanto abomina.

Ao admitir, em certas circunstâncias, que a liberdade de impressa não tem lugar, estamos a abrir uma caixa de Pandora, que nos pode levar a uma submissão gradual de etapa em etapa.

Este historial de censura em Portugal (e no resto da Europa) mostra que não existe qualquer superioridade da cultura ocidental sobre a muçulmana. Simplesmente, enquanto a Europa soube libertar-se do jugo da ignorância, o Islão deixou-se afundar nela. O filme de Youssef Chahine (L’ Destin) ilustra isso muito bem. O filme passa-se na Andaluzia no século XII, onde a cultura e a tolerância estavam do lado dos árabes. Éramos nós os ignorantes! O facto disso coincidir com o período mais próspero da cultura muçulmana não é certamente um acaso…

A fotografia que acompanha esta entrada é de Viridiana, um filme de Luis Buñuel. As semelhanças desta imagem com A Última Ceia de Leonardo da Vinci são óbvias. Buñuel, contudo, substitui Jesus Cristo por um vagabundo, que acabará por tentar violar Viridiana. Franco tentou proibir a estreia comercial deste filme. Mas como João Bénard da Costa refere nas folhas da Cinemateca:

“Na Primavera de 1962, Viridiana estreou, com enorme sucesso, em quase todas as capitais europeias, apesar de ameaças de excomunhão a católicos que o fossem ver.”

Comparando os cartoons com estes relatos, facilmente percebemos que a posição do MNE (e portanto do Governo Português) é um recuo de mais de trinta anos. E isso entristece-me. A este ritmo em breve vão aparecer mais proibições, que somando-se, vão estreitar a nossa liberdade.

Convinha lembrar aos que ainda não tem uma opinião formada sobre este assunto, que uma cedência nesta matéria levará inevitavelmente ao recrudescimento da censura nos grupos conservadores da sociedade ocidental. Precisamente os que, a muito custo, lá tiveram de aceitar a liberdade de expressão.

A liberdade baseia-se na possibilidade dos nossos adversários poderem expressar livremente as suas convicções. Eu não sou democrata por defender a despenalização da interrupção voluntária da gravidez (com a qual concordo), mas por aceitar que, quem não esteja de acordo, possa expressar a sua opinião e manifestar-se.

Eu abomino o fascismo e qualquer tentativa de o branquear, mas isso não me permite assassinar – ou queimar a casa – de quem assumir esta ideologia. É função de quem discorda, de rebater os seus argumentos, e não, de proibir a sua divulgação.

Teresa de Sousa, no Público de ontem, despertou-me a atenção para uma entrevista ao Der Spiegel de Ayaan Hirsi Ali. Trata-se de uma deputada holandesa, de origem islâmica, que escreveu o guião para o filme Submissão do realizador Theo van Gogh. Da entrevista escolhi estas declarações dela:

There is no freedom of speech in those Arab countries where the demonstrations and public outrage are being staged. The reason many people flee to Europe from these places is precisely because they have criticized religion, the political establishment and society. Totalitarian Islamic regimes are in a deep crisis.

Once again, the West pursued the principle of turning first one cheek, then the other.

That's exactly the reflex I was just talking about: offering the other cheek. Not a day passes, in Europe and elsewhere, when radical imams aren't preaching hatred in their mosques. They call Jews and Christians inferior, and we say they're just exercising their freedom of speech. When will the Europeans realize that the Islamists don't allow their critics the same right?

É isto que queremos para o nosso futuro? Aquilo que muitos árabes recusam?

Sinceramente, em vez de queimarem bandeiras, façam cartoons!

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8 Comments:

Blogger Mono said...

Totalmente de acordo!

02:14  
Blogger brunobd said...

Felizmente somos muitos a pensar assim!

00:35  
Blogger Edu said...

Meu caro bruno, desde quando é que o Freitas do Amaral é do PS? Não é por ele ter aceite fazer parte do governo que se tornou um membro do PS... ;-) (isto tem a ver com o título do email que enviaste...)

21:51  
Blogger brunobd said...

Não é do PS, mas o que importa é que actualmente é membro de um governo socialista ;)

22:21  
Blogger brunobd said...

Bem-vindo ao mundo dos blogues!

É socialista de nome... Mas se o PS não adoptasse estas medidas, o PSD e o CDS aproveitavam para dizer que os governos PS só servem para fazer despesas, etc, etc..

Assim não tem nada para dizer e isso vê-se na Assembleia da República...

Quanto ao Freitas, os tipos do CDS nem o podem ver!

O CDS adorou a posição do Freitas do Amaral, sobre os cartoons, pois assim aproveitou para lhe "dar nas orelhas".

19:34  
Blogger brunobd said...

É por parte da Europa estar a apostar no Linux, que Bill Gates veio cá vender o seu produto, antes deste rectângulo ser varrido pela onda do open source.

Faz-se grande propaganda aos programas para captar investigadores portugueses no estrangeiro e depois não se atendem as preocupações dos que cá estão. Infelizmente é o habitual...

23:11  
Blogger brunobd said...

Quem é o Santana Lopes? :D

E quando é que temos um blog do Luís Artur? ;)

20:52  
Blogger brunobd said...

O Santana Lopes é um gajo que a esquerda aprendeu a gostar... :D

Esta do tempo não me convence. Tu não és obrigado a fazer um post todos os dias. Eu também não escrevo sempre e, se alguns são mais desenvolvidos, outros há que sendo tão pequenos faço-os num instante!

E tu até podes fazer apenas um post por semana, estilo Expresso! Não me digas que não podes perder meia-hora por semana? ;)

17:41  

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