Saturday, February 25, 2006

Renoir, meu Pai - Jean Renoir

Na página 187, Pierre-Auguste Renoir, fala da sua preferência por Mozart em detrimento de Beethoven:
Beethoven expõe-se com indecência. Não nos poupa às suas penas de amor nem às suas digestões difíceis. E só me dá vontade de lhe dizer: Que me importa que você seja surdo? (…) Mozart, que era muito mais infeliz do que Beethoven, tem o pudor de ocultar as suas preocupações. Procura divertir-me ou enternecer-me com notas que acha que não falam dele. E, no entanto, fala-me mais de si do que Beethoven com os seus suspiros ruidosos.”

Esta posição ilustra na perfeição a personalidade de Renoir e a sua pintura. Por um lado revela o seu pudor em partilhar com estranhos a sua intimidade; por outro sintetiza aquilo que para ele era a pintura. Para Renoir a arte é a materialização daquilo que merece ser contemplado: o corpo das mulheres; a margem do rio plácido; as conversas de café; os sorrisos… em suma o prazer.

Perante a procura insistente deste por parte do pai, o filho dele, Jean Renoir, acaba mesmo por sugerir que:

“Este planeta, que antes do meu pai era povoado por figuras alongadas e pálidas, depois dele encheu-se de pequenas criaturas rechonchudas, de lindas bochechas rosadas.”

Em contrapartida, os últimos anos da sua vida foram preenchidos por uma doença dolorosa: o reumático. Mas nada disso transparece nas suas telas. Para Renoir o público não está – nem tem que estar – interessado nos problemas ou dificuldades que o pintor teve de vencer para criar a sua obra. Ao público cabe apenas julgar o resultado final: o quadro!

Aquele homem, que fazia do pudor um dos seus traços identificativos, transportava para a tela as emoções e os desejos que na sua vida compartilhava apenas com aqueles de quem era muito próximo. Esse pudor, contudo, não o impedia de realizar um trabalho difícil de aceitar na sua época.

A dificuldade estava na exuberância dos seus quadros. A pintura de Renoir precisava de uma paleta clara e efusiva para descrever adequadamente a sua paixão pela vida. Isso incomodava muito os critícos e pintores académicos da altura. Só a cor podia realmente representar a vida que ele queria transportar e gravar nos seus quadros. Renoir novamente:

“Deixo para os literatos a paixão pela anemia e pelos corrimentos.”

Para Renoir – e isso transpira na biografia – o importante mesmo são as pessoas. Estas devem vir em primeiro lugar. Não admira pois que o ser humano ocupe um lugar central na sua pintura. Como qualquer impressionista as paisagens são importantes, mas nos seus quadros os homens e as mulheres completam e revelam a paisagem. Comparem Cézanne com Renoir. A tranquilidade do último vem da postura descontraída das personagens e da tonalidade escolhida.

Contudo, Renoir, não tinha nada contra as cores escuras, nomeadamente o preto. Simplesmente impunha que esta fosse criada como a soma de outras cores – como na natureza. Renoir contava ao filho que, enquanto adestrador de cavalos, ouvia os cavaleiros dizer que nenhum cavalo é preto. É a combinação de tons do pêlo do animal que o faz parecer preto. O pintor remata as suas ideias assim:

“Nós temos de fazer o mesmo: usar o preto, mas misturá-lo como na natureza!”

Renoir mostra com o preto que o seu objectivo foi seguir e homenagear aquilo que a natureza faz, afinal era esse o projecto dos pintores que ficaram conhecidos como impressionistas.

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