Wednesday, September 20, 2006

Cahiers du cinéma #615

A Cahiers du Cinéma de Setembro tem na capa Bryce Dallas Howard. Depois de Lady in the Water ter sido arrasado pela crítica norte-americana, os Cahiers colocam-se do outro lado da barricada. Esta revista sempre gostou de ser do contra e é, em parte, por isso que se tornou mítica. Nos anos 50/60 o “bom” cinéfilo “deveria” gostar do cinema neo-realista, aquele que abordava os problemas e as pessoas reais, a malta dos Cahiers divertia-se e defendia com fervor Hitchcock e Hawks, entre outros.

Os Cahiers inovaram precisamente ao darem relevo e substância a um cinema onde os outros apenas viam banalidades. Ao contrário do que muitos pensam, o cinema de autor já tinha sido descoberto nos anos 20 e 30 com os filmes de Murnau, Dreyer e Sjöström. A inovação dos Cahiers está em atribuir a marca de autor a cineastas que faziam comédias, policiais, thrillers e até "coboiadas", tudo num registo aparentemente trivial.

Na altura, esta visão era tão ridícula que até os realizadores em causa negaram para os seus filmes o estatuto intelectual que os rapazes da revista de capa amarela lhes queriam dar. Mas os jovens turcos não se intimidaram e ganharam a sua aposta. A presença de Fritz Lang, em Le Mépris, interpretando um realizador é não só uma homenagem, mas acima de tudo uma prova da passagem de testemunho e do reconhecimento entre gerações.

Essa tradição, felizmente, não morreu e, ao longo dos anos, tem provocado bastantes atritos com alguns dos seus leitores mais circunspectos. Provavelmente alguns destes desconhecem as origens desta revista que valeram a Godard, Truffaut, Rohmer, Chabrol e Rivette serem apelidados de jovens turcos. Batman, nos anos 80, e Titanic, nos anos 90, foram dois dos filmes que os Cahiers defenderam, dando-lhes méritos que os seus leitores habituais não viam. Quem seria capaz de ser tão severo com o filme de Tim Burton hoje em dia? O filme de James Cameron talvez não seja tão consensual, mas mesmo assim está longe de ser apenas um filme piegas como o classificaram na altura.

Será que este filme de M. Night Shyamalan será mais um dos filmes a integrar tão ilustre galeria? Deste realizador apenas não aprecio particularmente o primeiro filme. De Unbreakable até The Village os filmes de Shyamalan agradaram-me cada vez mais. Os filmes dele constroem-se sempre a partir de uma fronteira. Esta define o papel das personagens nos seus filmes. O famoso twist do seu primeiro filme brinca, precisamente, com a noção de fronteira: entre a vida e a morte. Em Unbreakable a separação dá-se entre os que têm um dom e os outros. Bruce Willis (David Dunn) e Samuel L. Jackson (Elijah Price) interpretam as personagens com um dom. Um verdadeiro filme de super-heróis. A perfídia de Elijah desperta David e leva-o a perceber que é diferente dos demais, na famosa sequência do aeroporto. Perante o dom, Elijah e David seguem caminhos opostos. O primeiro encarna o egoísmo absoluto, enquanto David, quase um Cristo (não é por acaso que a revelação se dá quando este tem os braços esticados), perante o seu Dom investe-se da missão de acudir os outros, os que não nasceram com o Dom. Ambos são os extremos um do outro: a noite e o dia.

No filme seguinte, Signs, a fronteira começa por ser entre os terráqueos e os extraterrestres. Mas o realizador dá ao filme um carácter fortemente religioso e a verdadeira divisão deste filme é entre os crentes e os não crentes. Entre quem acredita que tudo não passa de coincidências e os que preferem crer em sinais. Os primeiros acreditam que o acaso rege as nossas vidas, enquanto os segundos crêem que alguém nos protege. Pulp Fiction não anda longe daqui. Mas se Tarantino deixa para o espectador a decisão última, Shyamalan, na sequência final, esfrega a sua crença nos olhos do espectador.

No último filme, para mim o melhor deste realizador, essa fronteira é ameaçada em cada segundo do filme. Uma comunidade vive isolada num tempo e espaço incertos. Mas cada personagem sente uma apetência enorme pelo outro lado, que é proibido. Só um louco ou alguém completamente inocente teria forças para conhecer o que há do lado de lá. Shyamalan dirige o nosso olhar precisamente para aí. Ele quer que o seu espectador tenha inocência e loucura para acreditar no seu imaginário. Mesmo que no fim, nos revele a realidade e a magia nos escape. Shyamalan sabe que isso não é importante. O que conta é a viagem que alguns espectadores fizeram. Por isso o facto dos ETs aparecerem em Signs é tão irrelevante. Ele fez o filme inteiro a pensar unicamente na sequência em que o reverendo Graham Hess (Mel Gibson) percebe que afinal tudo tem um sentido: Deus existe! Shyamalan deseja que o seu espectador tenha feito a mesma viagem.

No fundo, para Shyamalan, o espectador divide-se em dois grupos: os crentes e os ateus. Os que acreditam na fábula que o realizador lhes conta e os que a rejeitam. Para este, alguns espectadores têm um dom especial: a capacidade de acreditar em fábulas. Algo que aparentemente parece ser difícil com Lady in the Water. Eu, sendo um dos que entrou no mundo mágico de Shyamalan, espero voltar a sair do novo filme dele como tendo viajado para o outro mundo. Aquele a que só acedemos nas artes ou na nossa imaginação.

2 Comments:

Blogger Mono said...

"Michael L. Jackson"?
Esse é o outro, o que come criancinhas ao pequeno almoço.
eh eh

12:39  
Blogger brunobd said...

lol

Um acto falhado? E logo com o Michael Jackson...arghhh

15:11  

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